quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Como lidar com o preconceito contra a obesidade?

Somos mais tolerantes com as doenças ditas inevitáveis. Encaramos o câncer como uma fatalidade, as doenças cardíacas como decorrentes do estresse da vida moderna, mas somos implacáveis com a obesidade.


Quando o ato de se alimentar em público passa a ser uma preocupação para crianças e adultos obesos, podemos imaginar o quanto a obesidade interfere na vida das pessoas, estigmatizando e fazendo-as sofrer por causa deste grave preconceito. “A obesidade é vista como um estigma, que caracteriza um estilo de vida desregrado. Em muitos casos, a doença é entendida como um problema moral, uma falha de conduta ou como sinal de desorganização da vida pessoal”, diz a endocrinologista Ellen Simone Paiva, diretora do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional.

Somos mais tolerantes com as doenças ditas inevitáveis. Encaramos o câncer como uma fatalidade, as doenças cardíacas como decorrentes do estresse da vida moderna, mas somos implacáveis com a obesidade. “Tratamos o obeso como um ser que carrega a culpa pelo seu mal. E o pior é que ele passa a assumir essa culpa e a agir como um grande vilão da doença”, explica a endocrinologista.

Assim, o obeso passa a vida se desculpando e assimilando todos os adjetivos e comentários que ouve a seu respeito, desde a infância, quando recebe os primeiros apelidos jocosos e nunca é escalado para jogar no time da escola... Na vida adulta, não consegue uma boa colocação no mercado de trabalho... “Com a experiência de quase três décadas no atendimento a pacientes obesos, já ouvimos e vivenciamos situações que comprovam que a obesidade traz muitas dificuldades, que vão além da esfera da saúde, dificultando o convívio social, impondo entraves à carreira e comprometendo a auto-estima do obeso, trazendo muito sofrimento”, afirma Ellen Paiva.

Casos de preconceito contra o obeso

Assim, num mundo onde a doença não é compreendida e o doente é o vilão, são muitas as situações preconceituosas vivenciadas pelo obeso, em todo o mundo. A endocrinologista Ellen Simone Paiva, comenta algumas delas, a seguir:

1) Multa para quem está fora do peso – É sabido que um dos maiores problemas de saúde nos Estados Unidos é a obesidade. Por lá, calcula-se que mais de 30% dos adultos estejam acima do peso. E para “enfrentar o problema”, o Estado do Alabama vai cobrar uma espécie de multa dos funcionários públicos que estiverem acima do peso. A partir de 2010, quem não fizer as pazes com a balança terá de pagar US$ 25 (cerca de R$ 45) a mais, por mês, pelo seguro-saúde. “Num caso como este, o Estado do Alabama deveria cobrar da indústria de alimentos tributos maiores, quando esses não estiverem de acordo com as recomendações de uma deita saudável, além de incentivar com menores taxas a industrialização de alimentos saudáveis. Da forma como foi proposta a multa, seria como taxar os fumantes que desenvolverem câncer de pulmão, ao invés de investir contra a indústria do cigarro”, afirma a endocrinologista;
2) Enterro mais caro - No condado inglês de Houghton Regis, o conselho de funerais decidiu cobrar 50% a mais para enterrar pessoas muito gordas. "O fundamento básico é que ocupam mais espaço", disse o conselheiro do local. A regra começou a vigorar em março deste ano. Em vez da tarifa normal de 129 libras (R$ 415), o sepultamento de um obeso custa 194 libras (R$ 625). “Aqui, amplia-se o ônus do obeso à sua família, que será obrigada a arcar com um gasto extra. Vejo essa estratégia como mais uma forma de preconceito contra as pessoas obesas”, argumenta Ellen Paiva;
3) Viajar ficará mais caro - A United Airlines cita reclamações de "cerca de 700 passageiros em 2008" que viajaram "espremidos" para justificar a criação da cobrança por poltronas extras para obesos em vôos lotados. “Será que esta atitude discriminatória em razão de um aspecto físico pode ser justificada de alguma maneira? Não seria mais coerente que as empresas aéreas, num país de obesos como os Estados Unidos, se preparassem melhor para atender seus usuários?”, pergunta a médica;
4) Obesos espalham obesidade para os amigos - A obesidade pode se espalhar entre as pessoas de modo semelhante a uma epidemia. É o que indica o resultado de uma pesquisa publicada pela revista Then New England Journal of Medicine. Segundo a publicação, quando alguém ganha peso, seus amigos próximos tendem a engordar também, conclui o estudo obtido a partir de uma análise detalhada sobre uma rede social de mais de 12 mil pessoas, num período de 32 anos (entre os anos de 1971 e 2003). De acordo com os cientistas, as pessoas ficavam mais propensas à obesidade quando um amigo delas engordava. Pela pesquisa, “um amigo gordo” aumenta, em 57%, o risco de uma pessoa se tornar obesa. “É bem conhecido que os hábitos aproximam as pessoas e esse é provavelmente o fato que influenciou o resultado do estudo acima. Além de todos os problemas de relacionamento conhecidos que enfrentam os pacientes obesos, eles não podem ser apontados como responsáveis por espalhar o ‘mal da obesidade’ ”, diz Ellen Paiva;
5) Menos oportunidades profissionais - De acordo com dados da POF do IBGE (Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 10,5 milhões de brasileiros com 20 anos ou mais são obesos - ou seja, 8,9% da população masculina e 13,1% das mulheres. Se considerada também a população que está acima do peso ideal, o número salta para 40,6% (quase 39 milhões de pessoas).Ao confrontar esses dados com a situação nas empresas, chega-se a uma conclusão: não é fácil para o obeso conseguir emprego. "Podemos citar as dificuldades das pessoas obesas para conseguir cargos que exigem uma exposição maior da imagem corporal, não porque as empresas exigem 'pessoas bonitas', mas porque a beleza parece estar ligada à idéia de saúde e de uma boa relação das pessoas com o próprio corpo. Além disso, os obesos têm muita dificuldade em acompanhar a agilidade motora dos magros, em cargos que exigem tal habilidade. Os profissionais obesos têm maiores índices de comorbidades, de faltas ao trabalho relacionadas aos problemas de saúde e maiores índices de licenças médicas. O preconceito existe e é um fator que complica a vida do obeso e estreita seu horizonte profissional ", afirma Ellen Simone Paiva, diretora do Citen;
6) Preconceito por parte dos profissionais de saúde - Uma pesquisa realizada em uma grande rede de saúde da cidade de Nova York, nos EUA, indicou que muitos médicos podem ter uma “reação negativa” a pacientes obesos. Nesse caso específico, 40% dos médicos revelaram ter esse tipo de comportamento, e muitos deles disseram se sentir muito frustrados quando tratam pacientes obesos. A pesquisa com 399 médicos – realizada entre pediatras, psiquiatras e clínicos – da Escola de Medicina da Universidade de Nova York indicou que um, em cada dez médicos, tinha reações negativas em relação ao paciente obeso – incluindo desconforto e preconceito; apenas 56% se sentiam qualificados para tratar a obesidade e 46% acreditavam ser bem sucedidos nessa tarefa. “Enquanto nosso arsenal terapêutico contra a obesidade tem se mostrado frágil, precisamos contar com povos esclarecidos e motivados, uma indústria de alimentos engajada no mesmo esforço e governos responsáveis e interessados em declarar guerra contra a doença que vem desafiando nações em todo o mundo. Investir numa melhor qualificação profissional da equipe multidisciplinar que trata a obesidade pode significar um grande avanço nesta luta. Por exemplo, No Brasil, nem todos os consultórios médicos estão equipados com cadeiras e balanças apropriadas para pacientes que passam dos 150 quilos. Podemos atender adequadamente a pacientes sem mobiliário apropriado?", pergunta a diretora do Citen.
Para combater o preconceito
Todos os fatos emergentes que comentamos reforçam situações cotidianas de estresse e sofrimento para as pessoas obesas. “Além dos exemplos que elencamos, há muitos mais... É só conversar com um paciente obeso por mais tempo. Eles já criaram uma couraça para enfrentar os problemas criados pelo preconceito em seu dia-a-dia, tais como a dificuldade de encarar um vendedor de uma loja de roupas, que, antes mesmo de ouvir a solicitação do cliente obeso, já diz que não tem a numeração extra-grande... Ou ainda o constrangimento de não ir ao cinema ou ao teatro, porque as salas de entretenimento não oferecem lugares seguros e confortáveis para eles”, conta Ellen Paiva.

Com um mundo jogando contra, é compreensível o surgimento de associações de obesos, como a americana Naafa (Associação Nacional para o Avanço da Aceitação dos Gordos), que busca defender os direitos de cidadão e do ser humano do obeso. “Eles não aguentam mais serem recusados por seguradoras de saúde, serem sinônimos de diabetes e doenças do coração, correrem o risco de pagar mais caro por passagens aéreas e serem alvo de gozação nas escolas. É importante o esclarecimento da sociedade, para que as pessoas compreendam que a obesidade é uma doença crônica e ainda sem cura, que está longe de ser uma fraqueza de caráter ou um desleixo com a vida pessoal”, argumenta a endocrinologista Ellen Simone Paiva.

Contato:
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